Motociclista ou Motoqueiro?

Qual o DNA do motociclismo? Os fatos históricos, ícones, movimentos e lutas que moldaram esta cultura e estilo de vida

O Motociclismo trouxe consigo uma identidade cultural, o aparecimento de um estilo de vida próprio repleto de particularidades.

“A vida não deve ser uma jornada para o túmulo com a intenção de chegar em segurança, com um corpo bonito e bem preservado, mas sim de derrapar nos limites, e chegar saindo de uma nuvem de fumaça, totalmente gasto e proclamando em voz alta: ‘Uau! Que viagem!’ “

Autor: Hunter S. Thompson.

O pensamento deste jornalista e autor americano resume bastante esse sentimento de muitos motociclistas, é tudo sobre curtir o “rolê”. Durante décadas, a motocicleta tem sido um meio de escapar do cotidiano. A capacidade de “voar” sobre duas ou três rodas permitiu a possibilidade de liberdade a qualquer momento, seja como trabalho, como esporte, como lazer ou simples trajeto.

Privilégio de quem percebeu a liberdade que a motocicleta permite. Pessoas que desempenharam um papel crucial na evolução da cultura da motocicleta que existe hoje. Muito mais do que simplesmente um meio de transporte, a motocicleta permitiu um estilo de vida, uma contracultura e uma fonte de identidade para um grupo de pessoas que, muitas vezes, foram marginalizadas pela sociedade.

Desde sua entrada no cotidiano da sociedade convencional, a motocicleta despertou o interesse e também a imaginação da mídia em todo o mundo. Daí, as imagens retratadas de motociclistas serem extremamente negativas e geralmente não representarem a realidade. Nos últimos anos, graças à crescente popularidade das motos e a distinção e profissionalização das corridas de motos como um esporte, conseguimos rever os equívocos tão frequentemente atribuídos ao motoqueiro.

Os Primórdios

As motos só entraram em cena de maneira significativa, como estilo de vida, após a Segunda Guerra Mundial. Para alguns, andar de moto foi uma tentativa de recuperar a adrenalina que a guerra proporcionou. Isso evoluiria para os clubes de motociclismo “1%” que começavam como irmandades, nascidas da necessidade dos veteranos da Segunda Guerra Mundial de sentir aquele sentimento de pertencimento e camaradagem,  que tinham nas frentes de batalhas.

A estética das roupas de motociclista vem dos uniformes da Segunda Guerra. Jaquetas e oculos de aviador, coletes, pachts e adornos.
Wild One  e o 1%

Se há um “marco” para o início de toda a rebelião juvenil que explodiu nos anos 50, esse momento é o “incidente” em Hollister, no estado da Califórnia, em 1947. Hollister, uma cidadezinha pacata com cerca de 4 mil habitantes, sediava a partir da American Motorcyclist Association (Associação Americana de Motociclismo), um evento que reunia corrida de motos e muitas festas. Na edição que ocorreu entre 4 e 6 de julho de 1947 houve um “problema”: a chegada em massa de motociclistas.

Hollister Califórnia o primeiro grande encontro e também o mais marcante.

A cidade era pequena, os motoqueiros eram muitos e queriam farra. Segundo jornais da época, houve bebedeira sem fim, brigas, rachas de moto, confusões em geral causadas pelos motociclistas que estavam na festa. A polícia teve que intervir e há relatos de prisões e uso de gás de efeito moral para “acalmar” os bikers (motociclistas, motoqueiros).

Após o término do evento, o resultado foi ruas cheias de garrafas de cerveja, lojas destruídas e muitos motoqueiros presos. Mas o principal resultado, seria que o episódio em Hollister inspirou o filme que mudaria para sempre o comportamento juvenil: The Wild One (O Selvagem), estrelado por Marlon Brando em 1953.

O cinema reconta o incidente de Hollister e lança o primeiro ícone do motociclismo – O Selvagem.

Brando interpretava Johnny Stanbler, líder da gangue Black Rebel Motorcycle Club, que atrapalha uma corrida de motos e depois ruma para uma cidadezinha pequena e causa confusões com a polícia e com os moradores. Totalmente inspirado nos eventos de 1947.

Wild One foi um marco na história do cinema e na história da sociedade em geral. Tal filme serviu de referência para milhares de jovens que estavam querendo se rebelar contra os adultos e contra o Governo, mas não sabiam como. A figura bad boy (garoto mau) encarnada por Marlon Brando foi a resposta para esses garotos rebeldes, entre eles, James Dean e Elvis Presley. Estava definida a imagem do rebelde dos anos 50, com jaqueta de couro, jeans e botas, e o mundo nunca mais seria o mesmo.

O evento de Hollister Riot de 1947 foi um ponto de virada na evolução da cultura de motocicletas e ajudou a consolidar a percepção comum dos motociclistas. O que foi, na realidade, um pequeno distúrbio, foi abordado de forma sensacionalista pela imprensa e apresentou a imagem de motoqueiro sem lei aterrorizando a cidade

1% um símbolo reacionário.

Logo depois do famoso encontro numa propaganda divulgada pela AMA (American Motorcycle Association) era declarado que só 1% dos motociclistas eram marginais, fora da lei, dando uma imagem negativa e que 99% eram cidadãos exemplares, pais de família, trabalhadores que usavam motocicletas, como modo de diversão, nos finais de semana. Os motociclistas logo reagiriam.

Motociclista fora da lei

A década de 1960 viu o surgimento da imagem de fora da lei quando talvez o Clube de motociclistas mais infame, o Hells Angels (Anjos do Inferno), criado pela primeira vez em 1948, começou a atrair atenção significativa da mídia.

O Hells Angels não foi o único clube de motociclistas fora da lei a surgir nesse período, mas rapidamente se tornou um dos mais notórios. O clube foi fundado na área de Fontana / San Bernadino, na Califórnia, e sua facção ‘Berdoo’ ainda existe até hoje. Logo eles se tornariam, no entanto, uma rede integrada de entusiastas de motocicletas, entre outras coisas, que tinham critérios rígidos para admissão no clube.

Hell’s Angels MC

Enquanto isso o Outlaws Motorcycle Club (Foras da Lei Moto Clube) fora fundado em Illinois, em 1935, mas não se tornou membro oficial da Irmandade de Clubes 1%, o que só aconteceu em 1963. A rivalidade entre Outlaws e Hells Angels se tornou amplamente conhecida e segundo se diz, levou membros dos Outlaws a usar a frase ADIOS – Angels Die In Outlaw States (expressão sem tradução para o português por se tratar um trocadilho).

Outlaws MC

Outro clube inimigo dos Hells Angels seria o Pagans Motorcycle Club (Pagãos Moto Clube), fundado em 1959 em Maryland por Lou Dobkin. Os Pagans rapidamente estabeleceram uma reputação como um clube de motoqueiros malvados e são lembrados por lutarem com os Hells Angels por território.

O estereótipo do “1%”, do fora da lei, do rebelde tatuado popularizado por Grupos e Clubes de motociclistas, é obviamente baseado em fatos, mas não ofuscou a grande maioria das comunidades e demais Grupos e Clubes do motociclismo. Os outros 99% também ocupam um lugar no desenvolvimento da cultura de motocicletas de forma viva e que tiveram também a capacidade de moldar as percepções do motociclista.

Se a década de 1950 viu o nascimento da cultura da motocicleta, a explosão da contracultura da década de 1960 foi o ponto em que atingiu a maioridade.

O personagem criado por Marlon Brando em O Selvagem, influenciou o estilo de James Dean e Elvis Presley.
Contra Cultura

 

Rude Boys, Mods e Skinheads

Em uma década repleta de inquietação e evolução social, os Mods (contras) britânicos, muitos dos quais eram da classe trabalhadora, surgiram trazendo ao mundo um jeito novo de vestir e uma nova forma de comportamento.

O Mods questionavam as instituições e o tradicionalismo Britânico.
No contexto do Mods surgem Os Beatles. Paul, John, Ring e George fazem com a música uma revolução mundial.

Para os Mods, a moda era um ingrediente crucial para o movimento. Esta imagem Mod incluía scooters, e lambretas escolhidas por seu estilo italiano e rebelde.

Logo após sua formação como grupo cultural, os Mods anteriormente pacíficos evoluíram para o grupo notadamente violento conhecido como Skinheads (cabeças raspadas).

O termo ‘Skinhead’ constantemente é associado a grupos neonazistas, nacionalistas e de extrema-direita. No entanto, o termo é uma apropriação indevida que foi legitimado pela mídia.

A verdadeira origem da cultura Skinhead é negra e jamaicana. Da mistura da música negra norte-americana e jamaicana, foi criado o SKA. Os jovens que aderiam ao estilo eram chamados de ‘Rude Boys’ (rapazes rudes) e constantemente lutavam contra preconceito e a violência policial.

Os Rude Boys acrescentam o “tempero” das lutas civis dos negros a já agitada cena de Londres.
Os temidos Skinheads dariam origem ao movimento Punk.

Muitos dos Rude Boys migraram para a Inglaterra no final dos anos 60 e o estilo desses jovens jamaicanos logo se misturou com o estilo dos ‘Mods’ ingleses, originando a cultura Skinhead.

Vindos da classe trabalhadora e dos bairros suburbanos, os Skinheads começaram a ganhar notoriedade quando se juntaram aos ‘Hooligans’ (A palavra hooligan tem sua origem no sobrenome inventado Hooligan, que designava uma família arruaceira irlandesa fictícia, cujo nome era usado na letra de uma música cantada no teatro de variedades por volta de 1890. Hoje usa-se hooligan para qualquer pessoa barulhenta e violenta em lugares públicos, que normalmente anda com um grupo. Football hooligans se refere aos torcedores de futebol desordeiros e violentos, que ficaram famosos, principalmente na Inglaterra, por sua conduta vergonhosa e típica de vândalos, chamada de hooliganism, em inglês.)

 

Rockers / Café Racers

 

Eles foram talvez a influência britânica mais significativa na cultura das motocicletas, originada na década de 1950. Com base na crescente popularidade da música rock ‘n’ roll, a associação de grupos com motos surgiu por causa de seu desejo por motos rápidas que poderiam levá-los de um Café para outro nas chamadas Café Race ( veja mais) em estradas recém-construídas do Reino Unido.

Os Cafe Racers lançaram um estilo de produção e customização de motocicletas que atravessou os tempos e se mantem como tendencia.

Os Rockers (roqueiros) mergulharam na contracultura que se formara ao redor deles. Eles se divertiram com a imagem romântica do nômade. Sua rivalidade altamente divulgada com os Mods se tornou pública e ajudou a criar de novo, Clubes e Grupos violentos.

Uma característica determinante dos Rockers eram as motos que eles usavam. Sempre em busca de emoção, eles compravam as motos, depois as “depenavam” e as reconstruíam para parecer e correr como motos de corrida. Essa preparação visava atingir 100 mph e eram customizadas para enviar uma mensagem de intimidação, e uma imagem explicita de masculinidade.

Os Rockers incorporaram de vez o Rock n’ Roll ao motociclismo.
O culto a mecânica das motos no melhor estilo do faça você mesmo.

Os Rockers trouxeram com eles seu próprio estilo, projetado para aprimorar esse ar despretensioso. Jaquetas de couro, adornadas com tachas, remendos e crachás completavam o visual, além de cabelos para trás engraxados que eram populares entre os artistas de rock ‘n’ roll da década de 1950.

A cobertura da mídia sobre os conflitos das subculturas britânicas ajudou a consolidar a contracultura de forma mundial.

 

Kustom Kulture

 

A cultura dos Rockers da Europa influenciou o aparecimento nos Estados Unidos, do movimento da Kuston Kulture, que passou a ser empregada em diversas áreas artísticas e profissionais como customização de carros e motos, artes como tatuagem, música, entre outros meios.

O genial artista Von Dutch coloriu o mundo das motos.
Rat Fink o personagem criado por Ed Ruth, era antagonismo explicito ao certinho Mickey Mouse, e se tornou um símbolo da Kuston Kulture.

Uma linguagem estética e comportamental construída por artistas como Kenny Howard, o Von Dutch, construtores de automóveis personalizados como Ed Roth e Jeffries Dean, juntamente com os numerosos tatuadores, pintores de automóveis, bandas musicais e programas de televisão e filmes como American Graffiti, Happy Days, The Munsters (A Koach Munster, Drag-u-la) e The Monkees (The Monkeemobile) e outras mídias.

 

Born to be wild – o grande marco.

 

O ápice do cinema sobre duas rodas aconteceu em 1969, com o lançamento de Easy Rider – Sem Destino. Além de grande sucesso de bilheteria, o filme se tornou um marco cultural. Dirigido e estrelado por Peter Fonda e Dennis Hopper, o filme mostra as desventuras de Wyatt e Billy, dois motoqueiros que rodavam os Estados Unidos sem rumo. No caminho, conhecem um advogado alcoólatra (Jack Nicholson). Depois de encontro com hippies, viagens de ácido e confronto com caipiras conservadores, um final meio amargo mostra que a contracultura iria sofrer, em breve, duros reveses. A estética das motos com customização chopper de garfos longos vira moda.

O filme Easy Rider colocou os motociclistas na estrada, bem longe das brigas e revoluções.

“Born to Be Wild”, interpretada pelo Steppenwolf, é até hoje considerado o hino máximo dos motoqueiros.

“Coloque seu motor para funcionar / vá direto para a rodovia”

“Eu gosto de raios e fumaça / do trovão do metal pesado”

Tempos atuais

 

A década de 1970 viu um aumento na violência de grupos de motoqueiros nos Estados Unidos. Mais e mais clubes se juntaram às fileiras do 1%. Os clubes também começaram a se internacionalizar e virar verdadeiras empresas.

Nos últimos anos, a atenção se desviou desses aspectos negativos. Hoje,  o “código biker” (veja mais) é mantido,e a motocicleta não está mais confinada a essa esfera de violência. Mais e mais pessoas indo para o trabalho com suas motos, num fenômeno que pode ser chamado de invasão japonesa. De concepção simples e custo baixo, as motos japonesas invadiram as ruas e estradas do mundo a exemplo do seu pais de origem. A moto se tornou menos um símbolo de identidade cultural e, em vez disso, tornou-se um modo prático de transporte. Isso não quer dizer que a cultura das motos tenha desaparecido, apenas que se dispersou um pouco.

O trânsito caótico da grandes cidades foi a porta de entrada para as motos japonesas no mundo inteiro.

 

O surgimento de competições como o MotoGP e a Superbike Mundial deu às motos um nível de legitimidade que elas não tinham antes e o ponto de vista estético se abre para a esportividade e alta tecnologia.

Alguns motociclistas decidem levar uma vida esportiva que melhore sua condição de saúde e proporcionem uma série de sensações, reações e emoções.

Agora imagine se transformar em um atleta da sua grande paixão, que é andar de motocicleta. Virar um piloto amador ou profissional (Motovelocidade ou Off Road) e poder acelerar de moto com espírito esportivo, competitividade e, o mais importante de tudo, com segurança.

O motociclismo off road exige um bom preparo físico.

Para isso foi preciso a ajuda de especialistas da área da saúde para fazer uma avaliação e adequações ergométricas as motos e equipamentos. Uma pessoa com espírito esportivo, mas com uma vida sedentária pode enfrentar mais dificuldades e precisa de orientações corretas de preparo físico e até de alimentação adequada.

O interessado em investir no mundo esportivo das duas rodas como piloto precisa ter um bom conhecimento da moto e do equipamento que pretende utilizar nessas atividades.

A Moto GP e a Superbike são palco para alta tecnologia e desenvolvimento de motos e equipamentos.

O motociclismo é efetivamente universal, é extremamente democrático e encanta tanto quem pratica quanto quem acompanha sejam nas corridas e nas pistas, sejam nos rides e encontros.

Hoje a mulher vem tomando acento como pilotas e preparam um nova revolução.

 

Motoqueiros e motociclistas. Anjos, foras da lei, contras, rockers, motoboys, pilotos, será mesmo que existe alguma diferença, além das máquinas e da estética que adotam?

Sensações, reações e emoções. Experimente levantar a viseira do seu capacete e responda a essa pergunta quando o vento bater no seu rosto.

Fontes de Consulta

The Rolling Stone Magazine, Motoonline, Wikipedia, Google Images e YouTube

 

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